Saidinha de Fim de Ano: Reflexões sobre Ressocialização e as Contradições do Sistema Penal Brasileiro
Por Renan Farah
A concessão da saidinha de fim de
ano para detentos do regime semiaberto é um tema que desperta debates
acalorados, muitas vezes inflamados por desinformação ou preconceito. É preciso
ter uma visão prática e crítica sobre essa medida, desmistificando aspectos
importantes e oferecendo uma análise que vai além do senso comum.
Para início de conversa, a
saidinha não é uma “liberdade automática” ou um privilégio concedido de forma
indiscriminada. Apenas detentos em regime semiaberto têm direito ao benefício,
desde que atendam critérios rigorosos como boa conduta carcerária, ausência de
faltas disciplinares e, mais recentemente, aprovação em exame criminológico.
Essa avaliação é fundamental para determinar se o preso está apto a usufruir
dessa liberdade temporária, mesmo que isso envolva uma certa subjetividade na
análise por parte do sistema carcerário.
O objetivo principal da saidinha
é preparar o detento para a reinserção social. O sistema penal, em tese, não
deveria apenas punir, mas também ressocializar. No entanto, no Brasil, este
princípio da pena – a ressocialização – é frequentemente ignorado. Enquanto
alguns países oferecem condições dignas para reabilitação, com acesso à
educação e ao trabalho, aqui a realidade carcerária é, muitas vezes, desumana e
desestruturada.
Um ponto polêmico levantado é a
associação entre saidinhas e aumento da criminalidade, uma narrativa comumente
explorada por políticos ou veículos sensacionalistas. Dados não corroboram essa
ideia. Dos 33 mil detentos no semiaberto no Brasil, apenas 5% não retornam ao
presídio após o período de saída. Casos de reincidência existem, mas esses
indivíduos têm mais a perder do que aqueles que já estão em liberdade, pois
podem regredir ao regime fechado e enfrentar novas acusações.
A discussão sobre a saidinha
revela, mais amplamente, as contradições do sistema penitenciário brasileiro. Não
acredito em uma cultura punitivista que busca soluções simplistas, como
aumentar penas ou reduzir a maioridade penal, sem atacar as raízes do problema.
Essas medidas apenas inflam a população carcerária, sem impacto significativo
na redução da criminalidade.
Para além da saidinha, há
instrumentos como a remição de pena por estudo, trabalho ou leitura, que podem
ser mais eficazes na ressocialização. No entanto, a transformação depende do
desejo do próprio detento em mudar. Se ele não quiser, ele sai PHD no crime, o
sistema por si só não é capaz de garantir reabilitação.
Em síntese, não há como discutir
a “saidinha” sem fazer reflexões sobre como o sistema prisional pode – e deve –
ser uma ferramenta de reabilitação e não apenas de exclusão social. A
verdadeira ressocialização exige mais do que dias fora da prisão; requer
mudanças estruturais que promovam dignidade, oportunidades e um caminho real
para o retorno à sociedade.
Renan Farah, advogado criminalista
COMENTÁRIOS